Para preservar o Hímen, rompe-se a laicidade

Cabe aqui a elucidação de que, diferente da confusão que a Ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos Damares Alves traz em suas pregações, Estado laico não é um Estado ateu. Estado Laico é aquele que ao não professar uma determinada religião, preserva espaço para todas as religiões professarem livremente sua fé, e preserva, inclusive, espaço para quem opta em não seguir credo algum. O Estado Laico, portanto, assegura a todos os cidadãos e cidadãs a oportunidade de uma convivência pacífica a partir do respeito pela diversidade de crença.

A Constituição Federal Brasileira faz menção a Deus em seu preâmbulo, mas não determina uma religião oficial, o que configura o país como um Estado laico. Estados que determinam em sua constituição uma religião oficial são chamados de Estados Confessionais. Dentre eles temos, por exemplo, o Reino Unido, onde a religião oficial é o cristianismo anglicano, a Grécia com o cristianismo ortodoxo, Israel com o judaísmo, e também Territórios como Afeganistão, Arábia Saudita, Argélia e Iraque que possuem o islamismo como religião oficial.

Ocorre que o (des) governo de Jair Bolsonaro (ALIANÇA) rompe com o princípio do Estado laico brasileiro. Desde a campanha, o capitão reformado aliou-se às maiores lideranças evangélicas do país. No primeiro discurso como presidente, em sessão solene no Senado, prometeu valorizar “a nossa tradição judaico-cristã”, o que deixa nas entrelinhas o desprezo para outras matrizes religiosas.

Já mesmo antes da cerimônia de posse presidencial de Jair Bolsonaro, a imprensa brasileira veiculou a notícia de que obras sacras afro-brasileiras seriam retiradas do Palácio da Alvorada. A pintura “Orixás”, de Djanira Motta, que representa divindades do candomblé, uma representação em madeira de Santa Bárbara do século 18, um par de anjos barrocos e quatro estátuas de santos estavam citadas dentre as obras que seriam tiradas da vista do público.

Bolsonaro, após repercussão negativa de tal ato, se pronunciou e negou que as obras sacras seriam retiradas do Palácio. Apesar de ter sido batizado em 2016 pelo ministro evangélico Pastor Everaldo (PSC), nas águas do Rio Jordão, no nordeste de Israel, o presidente eleito alega ser católico e afirma que sua esposa não vê problemas em objetos da sua religião na residência do casal. Já sobre a obra “Orixás”…

E chegamos, então, na nomeação da fundamentalista Damares Alves, que ao ser indicada para o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos proferiu que o Estado até pode ser laico, mas ela é terrivelmente cristã.

Recentemente, Damares avançou em seu fanatismo patriarcal-religioso ao apresentar o programa de “abstinência sexual para adolescentes” como método contraceptivo e de “preservação sexual”. Uma afronta à educação como prática para a liberdade. Ao invés de investir em ensino sobre gênero, sexualidade, métodos para uma vida sexual segura e planejamento familiar, a Ministra opta em criminalizar ainda mais, no imaginário coletivo, a prática sexual. Consequência óbvia desta política: os adolescentes seguirão no intercurso de suas práticas sexuais, ocultos dos olhares vigilantes da sociedade hipócrita, e sem orientações para prevenção tanto de doenças sexualmente transmissíveis como de gravidez indesejada.

A Ministra viola os direitos humanos de jovens e adolescentes, em particular o direito a um projeto de vida em que os estereótipos de gênero não sejam um destino e a sexualidade não seja um tabu.

Não é este o primeiro absurdo da Ministra. Vamos relembrar aqui alguns momentos em que o obscurantismo religioso pairou sobre o debate de gênero:

  • “Menino veste azul, menina veste rosa”, disse a ministra ao falar contra a ideologia de gênero.
  • “Neste governo, menina será princesa e menino será príncipe. Está dado o recado. Ninguém vai nos impedir de chamar nossas meninas de princesas e nossos meninos de príncipes”
  • “O aborto apenas nos casos necessários e aqueles previstos em lei. Mesmo nestes, eu tenho certeza que, quando é oferecida à mulher uma outra opção, ela pensa duas vezes. Essa pasta não vai lidar com o tema aborto, essa pasta vai lidar com proteção de vidas, e não de morte”.
  • A Ministra que já viu Jesus na goiabeira, retirou irregularmente, há 22 anos, uma criança indígena da reserva do Xingu, no norte do Mato Grosso, da aldeia Kamayurá e a apresenta como filha, mesmo nunca tendo formalizado a adoção.
  • Damares diz ser mestre em educação, em direito constitucional e direito da família, sem possuir tais títulos acadêmicos – alegou que na igreja evangélica que frequenta “mestre” é quem dedica a vida ao ensino Bíblico.
  • Defende que a teoria do Criacionismo deve ser ensinada nas escolas.
  • Apresentou Fake News Internacional ao relatar que na Holanda existe cartilha para que os pais iniciem masturbação de meninos a partir dos 7 meses, tornando-o um adulto saudável sexualmente, e que a menina precisa ter a vagina manipulada desde cedo para que ela tenha prazer na fase adulta.
  • Mencionou também que muitos hotéis-fazenda no Brasil são “fachada” para que turistas possam transar com animais.
  • Em Marajó, disse que meninas são vítimas de violência sexual por não usarem calcinha, devido a pobreza extrema.
  • Chamou uma coletiva de imprensa e ficou em silêncio para demonstrar como é difícil uma mulher ficar em silêncio.

Temos então, mais que evidente, o risco de retrocessos nas poucas políticas de direitos sexuais e reprodutivos que conseguimos conquistar nas últimas décadas. Se continuarmos nesse ritmo, daqui a pouco tempo será exigido a apresentação de sangue nos lençóis da noite de núpcias para validação de matrimônio, acordado previamente entre os progenitores dos jovens virgens hétero-normativos.

Estamos voltando a época do hímen integro como sinônimo de honra e dignidade das famílias.

 

 

Fica aqui uma breve observação: para discordar da política fanático-religiosa e patriarcal da Ministra Damares Alves não é necessário romper com o feminismo. Não podemos perder nossos princípios com xingamentos machistas, ou questionando sua atividade sexual e sua sanidade emotiva e mental. Façamos o exercício de manter nossos argumentos no campo da política. Tá ok?

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